sábado, agosto 22, 2009

A Fantástica Fábrica de Filmes

Conforme prometemos, segue abaixo a sequência da monografia. Este capítulo é bem longo, mas eu fiquei com pena de cortar ao meio. Omiti também os pés de página porque eles ficavam impossíveis de colocar aqui no corpo do Blogger. Em todo caso, só para lembrar, a monografia completa pode ser baixada aqui na lateral direita do blog.


A Fantástica Fábrica de
Filmes


Tim Burton é um diretor atual que para criar seu trabalho
enfrenta as condições impostas pelo status do cinema
contemporâneo: a transformação dos filmes em produtos e dos
espectadores em clientes. Apesar disso, o diretor é capaz de criar
películas que se destacam em um meio tão competitivo, que
conquistam grandes públicos e possuem uma espécie de
assinatura diferenciada. Um mundo fantástico é criado e vendido
com sucesso no mercado hollywoodiano. Sob tantas interferências e
tantos interesses em jogo (principalmente o financeiro), Burton
deixa sua marca no produto-arte do cinema atual.

Segundo Costa (1989), o “cinema é aquilo que se decide que ele seja
numa sociedade, num determinado período histórico, num certo estágio
de seu desenvolvimento, numa determinada conjuntura políticocultural
ou em um determinado grupo social”. Ele se constitui, ao
mesmo tempo, como técnica, indústria, arte, espetáculo,
divertimento – cultura.

Ao observar o status da cultura atual, percebe-se que é
necessário levar em consideração alguns aspectos viabilizados
pelo desenvolvimento técnico da humanidade e que se tornam
influências para a criação cinematográfica como, por exemplo, a
onipresença da televisão e das novas estruturas tecnológicas. Sem
dúvida, estas novas tecnologias influenciam o cinema,
principalmente no âmbito da produção, distribuição e consumo
dos filmes.

Neste contexto, o cinema vivencia avanços tecnológicos
inumeráveis. Softwares, digitalizações e técnicas televisivas são
arrebanhados pelas técnicas cinematográficas: são tecnologias
muito recentes, capazes de criar praticamente qualquer coisa em
cena. Tim Burton extrai, destas novas tecnologias, possibilidades
expressivas que contribuem para despertar emoções no público,
utilizando-as como quem as domina, e não o contrário. É a junção
destes novos artifícios e as técnicas tradicionais do cinema que
alimenta as produções fantásticas do diretor, sem atingir um
extremo computadorizado ou a simplicidade pura da imagem
capturada.

Segundo Burton (2003), quando as cenas são produzidas sem o
auxílio de computadores, a sensação de realidade é maior e a
atuação dos atores se torna mais próxima de algo que realmente
está acontecendo, o que acaba refletindo diretamente no
resultado final. Até mesmo em animações, o cineasta opta por
bonecos reais que tomam vida a partir da técnica de stop-motion2,
ao invés de produzi-los totalmente através dos recursos
computadorizados. Exemplos disso são os filmes “Vincent”
(Vincent – 1982), “A Noiva-Cadáver” (Tim Burton’s Corpse Bride –
2005), “O Estranho Mundo de Jack” (The Nightmare Before
Christmas – 1993), e “James e o Pêssego Gigante” (James and the
Giant Peach – 1996), – sendo que os dois últimos foram dirigidos
por Henry Selick, mas produzidos por Tim Burton.

Acho que CG (Imagem Gerada por Computador) funciona
para algumas coisas. Não dá para fazer certas coisas sem
isso. Mas, ao mesmo tempo, acho que as pessoas confiam
demais nisso. Sempre vou partir do princípio que se você
pode fazer a cena sem CG, melhor. Eu também gostei de
usar esse recurso, mas tento misturar as técnicas para não
ficar preguiçoso. (...) É algo que acho que as pessoas
percebem. Mesmo que não percebam, sabem
inconscientemente. (...) Não me importa o que digam. Se
fosse efeito, você sentiria. Isso lhe dá um foco que você não
teria em uma sala de tela azul.
(BURTON, Informação verbal)3

A questão tecnológica permeia não somente a forma utilizada
para a produção do filme, mas também se configura como tema e
crítica na obra burtonesca. Tim Burton parece empenhado em
valorizar apetrechos antiquados e destacar conexão do homem
moderno e pós-moderno ao maquinário, mesmo que arcaico.
Todos os filmes produzidos atualmente retratam de alguma
maneira o avanço tecnológico, seja de forma sutil como referência
à cultura atual, como crítica contra a automatização da vida ou
como elemento primordial para a produção do conjunto fílmico.
Em Burton, este tema aparece de variadas maneiras, porém
nunca tratado como algo a ser temido pela humanidade. A
tecnologia é mostrada como parte da rotina dos personagens e,
mesmo quando há falhas relacionadas a elas, estas surgem
somente para criticar uma valorização que ultrapasse os limites
do mutualismo estabelecido pelo ser humano com tais avanços.

Em diversas entrevistas, Tim Burton diz que prefere criar
todos os cenários em estúdios e locações sempre que possível,
dependendo das possibilidades físicas em produzi-los e do
orçamento disponível. Observando a afirmação do diretor em
relação às limitações impostas pelas finanças dos filmes, outra
característica importante do cinema atual se destaca: a produção
e o consumo. Já há algum tempo considerado como um produto
da era capitalista, o filme faz parte de uma indústria lucrativa e
disputada. Hollywood, a ‘empresa’ mais bem sucedida na área, é o
3 Fala de Tim Burton extraída de “Peixe-Grande e Suas Histórias Maravilhosas: Comentários do
Diretor” de 2003, em entrevista a Maxwell Bridiay.

centro da produção cinematográfica e financiadora dos filmes,
através dos grandes estúdios, desde a década de 1920. O que será
produzido, como será produzido, por quem será feito e até
mesmo os temas abordados, tornam-se determinações dos
comandantes dessa indústria cujo objetivo principal é o lucro. A
transformação do filme em produto acarreta em várias
influências e empecilhos para o processo de criação dos diretores.
Ainda assim, Tim Burton é capaz de fechar contratos milionários
com os estúdios mantendo seu gesto autoral, produzindo um
cinema único dentro da máquina hollywoodiana. Depois do
lançamento do primeiro “Batman” (Batman, 1989), seu nome
passou a ser atrativo para um público fiel, já que o filme trouxe
notoriedade internacional ao nome do diretor, principalmente
pelo recorde histórico de bilheteria em uma estréia
cinematográfica. “The Economist descreveu o ‘Batman’ de Burton
como o filme de maior sucesso financeiro do verão mais bem sucedido de
Hollywood. Ele foi o primeiro filme na história do cinema a arrecadar
100 milhões de dólares em dez dias” (SMITH; MATTHEWS, 2002:83)

É claro que o relacionamento de Burton com os estúdios não é
sempre tranqüilo. Um caso de tensão entre o diretor e os
empresários da indústria é a polêmica que foi criada em torno do
projeto “Superman Lives” (1996) – um roteiro escrito por Kevin
Smith, contando a história do Super-Homem. Burton foi
convidado para dirigir a produção, porém suas mudanças no
roteiro e na estética do super-herói (a roupa do Super-Homem,
por exemplo, seria preta aos moldes do protagonista de “Edward,
Mãos de Tesoura”) criaram conflitos com o roteirista e o projeto
foi abandonado, após o pedido de afastamento do diretor feito
pelo estúdio Warner (MEDEIROS, 2002).

Grandes estúdios realizam, em sua maioria, filmes que possam
ser rentáveis, já que a produção cinematográfica é bastante
dispendiosa. Na tentativa de garantir o sucesso financeiro,
normalmente, os estúdios procuram roteiristas e diretores
dispostos a criarem filmes usando a mesma receita daqueles que
geraram maior renda, criando, assim, uma espécie de moda em
Hollywood. Recentemente, no fim da década de 1990, uma grande
onda de filmes de suspense atingiu as salas de todo o mundo,
películas como “Pânico” (Scream, 1996), “Eu Sei o Que Vocês
Fizeram no Verão Passado” (I Know What You Did Last Summer,
1997), “A Bruxa de Blair” (The Blair Witch Project, 1999) são
exemplos de filmes que seguem tendências do mercado, também
conhecidos como blockbusters. Já no início do século XXI, foi a vez
dos heróis dos quadrinhos: “X-Men” (X-Men, 2000), “O Homem-
Aranha” (Spider-Man, 2002), “O Demolidor” (Daredevil, 2003) e
“O Incrível Hulk” (Hulk, 2003). Sobre isto, podemos observar que
Tim Burton já havia se antecipado à moda, ao lançar o já
mencionado “Batman” em 1989 – uma filmagem do famoso herói
dos quadrinhos criado por Bob Kane em 1939 – e, sendo um dos
responsáveis pela tendência, como sugerem Jim Smith e J.
Matthews (2002:84): “Batman é inquestionavelmente o filme de herói
de maior influência de todos os tempos. Ele iniciou a onda de dark
blockbusters (...) e definiu a abordagem de filmes fantásticos por mais de
uma década”.

Esta recusa de Burton pelas tendências impostas pela
indústria, ainda pode ser observada em outros exemplos:
enquanto as telas eram invadidas pelos thrillers de suspense, Tim
Burton lançou “Marte Ataca!” (Mars Attacks!, 1996) – uma
comédia sobre um ataque alienígena – e, durante o domínio dos
super-heróis, “Peixe-Grande e Suas Histórias Maravilhosas” (Big
Fish, 2003) – um drama sobre a relação de pai e filho. Nos
comentários de Tim Burton em relação ao filme, ele diz que “é
bom trabalhar em um projeto proposto por um estúdio que não seja
baseado em quadrinhos, figurinhas ou algo assim” (Informação
verbal)5. Esse tipo de negação aos padrões estipulados no mundo
hollywoodiano consegue estabelecer uma relação contraditória:
mesmo se opondo às tendências, Burton não as recusa
completamente. Explorando formatos cinematográficos que não
se encontram no alvo da moda – mas que já estiveram em alta em
algum momento na história do cinema – o diretor acaba por
lançar ou re-lançar tendências.

Exemplos disso são os filmes “Batman” (1989) e “Marte
Ataca!” (1996). Ambos acabaram por despertar uma tendência
em Hollywood, o primeiro redescobriu a força dos filmes
inspirados em quadrinhos, tendo sido um dos filmes mais bem
sucedidos em comercialização e merchandising da história do
cinema, como já foi dito neste capítulo. Sobre esse caso, ainda
podemos observar que a idéia de lançar o herói Batman nas telas
já era bem difundida no meio televisivo com uma série de TV das
décadas de 1960 e 1970. O grande êxito de Burton se deu pela
forma obscura e sombria com a qual o herói foi apresentado,
causando uma surpresa positiva para a maior parte dos fãs do
personagem que consideravam o Batman da TV uma ofensa ao
trabalho de Bob Kane. Já em “Marte Ataca!” (1996), o tema de
alienígenas e ataques ao planeta também é trazido com uma
abordagem diferente da disseminada por Hollywood: ao invés de
tratar os ataques como algo trágico e repleto de melodrama,
Burton exibe a morte de maneira cômica e critica todos os filmes
criados anteriormente com o mesmo tema ao apresentar uma
solução banal para salvar a humanidade, vindo da fonte mais
improvável na narrativa.

Além das modas impostas às narrativas de tempos em tempos,
outro aspecto que domina o mercado de cinema são as grandes
estrelas. Desde a “Era de Ouro de Hollywood” (Andrade, 2003),
aproximadamente de 1920 a 1960, as estrelas de cinema
ganharam um status de semideuses, uma espécie de realeza
norte-americana, sendo admirados e adorados pelo grande
público. Desde então, a presença de uma estrela em um filme é
capaz de atrair um maior público e, conseqüentemente, maior
renda para seus executivos. Num processo inverso ao da maioria,
Burton não é um diretor conhecido por correr atrás de astros para
seus filmes. Seu critério de seleção visa encontrar atores com
características que se encaixem nos roteiros e personagens, como
declarou o ator Ewan McGregor (2004) em uma entrevista a BBC
de Londres. Talvez por essa fama, se tornou comum que as
próprias estrelas busquem trabalhos com o diretor, que também é
conhecido por manter parcerias com seus atores e equipe. “Fica
evidente outra característica importante do diretor: sua predileção por
trabalhar com amigos” (EVANS, 2005), e muitas dessas relações se
destacam na repetição de profissionais ao longo de suas
produções. Desde “As Grandes Aventuras de Pee-Wee” (Pee-
Wee’s Big Adventure – 1985), todos os filmes de Tim Burton têm a
trilha sonora produzida por Danny Elfman – exceto “Ed Wood”
(1994) – e a grande maioria tem Colleen Atwood como
figurinista. Christopher Lee, Jeffrey Jones, Michael Keaton,
Danny DeVitto, Jack Nicholson, Winona Ryder, Deep Roy,
Helena Bonham Carter e Tim Roth são alguns dos nomes que
aparecem duas ou mais vezes no elenco dos filmes assinados por
Burton. Mas o nome que merece maior destaque é o de Johnny
Depp: o ator já protagonizou cinco filmes de Burton, incluindo
sua última animação (“A Noiva-Cadáver”, 2005), na qual o
boneco do personagem principal, Victor Van Dort, foi construído
à imagem e semelhança do ator que também é responsável pela
dublagem de Victor.

A valorização do trabalho de Tim Burton tem como um dos
motivos o fato de seus filmes atraírem o público não por serem
estrelados por atores de sucesso ou por seguirem as modas
cinematográficas, mas sim por terem sido idealizados e
realizados por ele. Seu filme mais recente, produzido pelo
estúdio Warner – um dos maiores da atualidade – leva o nome do
diretor no próprio título original, trata-se “Tim Burton’s Corpse
Bride” (“A Noiva-Cadáver” – 2005). O filme, somente no fim de semana
de estréia, arrecadou mais de 20 milhões de dólares nas
bilheterias americanas (GEIRMAN, 2005), valor que o transforma
em um sucesso de público.